terça-feira, 30 de outubro de 2007

Equívocos Terrenos

Entre tantos equívocos possíveis, talvez o maior deles seja conferir aos seres uma missão na vida. A linha tênue que separa o messianismo do fanatismo se torna ainda pior quando pretensas fórmulas surgem para regular tais projetos. A condição humana torna-se previsível no pior sentido da palavra, pois desloca focos de acontecimentos e decisões para o inexpugnável terreno de forças invisíveis ou não palpáveis, de acordo com as crenças individuais.
Em arte, então, tudo fica pior. Considerar que um autor ou poeta têm obrigações com esta ou aquela forma de pensar, com uma linha de pensamento essencialmente otimista, é uma negação do próprio processo criativo. Não existem estes limites, nem à direita ou esquerda, nem no topo ou no fundo do poço. Um texto não é um libelo de conduta ou uma tábua de salvação. Se quem o criar tiver sorte será, bom ou mau, uma maneira de reconhecer dores, de perceber que não somos os únicos que sofremos por algo.
Assim, missão de artista, se existe, é produzir com consciência, livremente. Ele não se caracteriza por ser emissário de esperança ou propagador de inseguranças. Se o seu íntimo passa por amarguras ou vive dominado por pessimismo, talvez seja bom perceber os motivos disso, antes de apontar um errôneo "desvio de conduta divina". Delegar erros aos outros fica bem mais fácil que assumir nossas responsabilidades com os semelhantes.
Se existe uma missão na vida talvez seja não fazer dos demais joguetes de nossos caprichos mais imediatistas. Nem todos recorrem às orações, comodamente, para aliviar ao final do dia os próprios vacilos, contradições e incongruências.

domingo, 28 de outubro de 2007

A Canção do Carrasco (Poesia)


Encontros agora desperdiçados,
Desejos versus contextos,
O laço tão apertado do carrasco,
Um amor indo ao desterro.

Foi quebrado tanto encanto,
O espelho torpe estilhaçado,
As fissuras arranhando a imagem,
Mentiras que autorizam ao pranto.

Cada dor, cada desmando,
Nós firmes na garganta enlaçados,
A fria mão de um verdugo,
Apanhando corações decapitados.

Nunca mais te ver,
Seu sorriso borrar,
Sua pele esquecer,
Duas bocas fechar.

O machado já se aproxima,
O cadafalso jaz todo aberto,
Amor cortado e pendurado,
Sentimento nobre abortado.

Por que acenam vãs ilusões,
Com suas faces denegridas,
Se no vendaval das paixões,
Morrem meninos e meninas.

Espectros enlutecem o dia,
Demônios alongam a noite,
Se enfim toda sina termina,
Que seja então a data hoje.

Ao nos indicarem o paraíso,
Que reine tênue a claridade,
Pois um assobio desafinado,
Entoa a canção do carrasco.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Um Texto Sem Nome

Sonho com um texto sem nome, desprovido de assunto.
Uma ausência absoluta de ponto de vista, de figuras de linguagem, de convicções espalhadas por algumas linhas. Ele talvez garantisse seu lugar na eternidade, pois nunca envelheceria. Seus conceitos vazios permaneceriam eternamente. Não iria sofrer com modismos ou dissolver-se sob a inexorável mudança dos costumes. Ninguém seria capaz de estabelecer a data da sua morte porque a rigor jamais teria nascido. Um produto da mais completa atemporalidade, do nada absoluto.
O coração precisa aprender tais lições. Despir suas emoções por inteiro, ignorar a infância, a adolescência, a maturidade e a velhice. Beber esse elixir da vida eterna e viver na ilusão da imortalidade. Principalmente, desconhecer o amar, o sofrer, o recordar e o querer. Aquilo que nos envelhece e dissolve as esperanças. Muitas pessoas conseguem isso bem facilmente, não precisam de poção redentora alguma.
Tais escolhidos se apoiam simplesmente na certeza de que as coisas são como devem ser. Quem acompanhou, ótimo, os que não conseguiram, paciência. Só vai lhes restar aprender lições que jamais pediram, descobrir sentidos ocultos para sua percepção. E aplaudir o ar de confiança, superioridade ou fatalismo de seus mestres, sem a desculpa de desconhecerem que participavam de algo maior, de um requintado processo de vida.
Até lá, só lhes resta mesmo é idealizar textos anônimos, carentes de substância, inutilmente.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Ecos do Silêncio

Dizem que o silêncio grita, a ponto de doer.
O que se deve entender dele quando ensurdece nossa percepção? Na verdade, pouco me importa essa compreensão. Ele fere e magoa. Nos traz dúvidas e incertezas. Diferente do silêncio interior. Neste existe uma opção pela serenidade. Uma busca de equilíbrio, a redenção pela introspecção voluntária. Não necessitamos estar mudos para alcançá-lo. Nem nos isolarmos dos outros.
O exemplo de santos, filosófos ou iluminados de qualquer tipo não se encaixa na maioria dos seres humanos. Sentar sob uma árvore até reavaliar o mundo ou escalar a montanha mais alta são artifícios aquém do cotidiano. Sempre foram belas alegorias, ilustrações simplificadas de uma mandala de intenções e angústias. Às pessoas Deus concedeu os semelhantes, em diversos níveis. Familiares, amigos, conhecidos, colegas e, principalmente, aqueles com quem exercemos o sentimento do amor, seja romântico, sensual ou carnal. Melhor ainda quando encontramos os três num só, qual uma Santíssima Trindade terrena.
Normalmente o ego nos afasta dessa conscientização. Mais ainda quando acompanhado do medo. O sentido messiânico de nos acharmos em provação, a concepção de sofrimento como um teste de superação, anula tudo aquilo que de divino foi insuflado em nosso espírito. O temor, em complemento, camufla toda expressão exterior, cancela tragicamente os sonhos latentes. Deus não duvida da nossa devoção, sequer necessita de provas ou sacrifícios. Ele lê o âmago das almas, varre toda a extensão dos corações. Quer que sejamos felizes exercendo aquilo que tinha em mente quando nos criou: a capacidade de amar. Como pais, irmãos, parentes, vizinhos e também parceiros de alguém.
Religiões tradicionais, institucionais, jamais tiveram as respostas. Quando muito elas fabricam explicações. No entanto, induzem más avaliações ou equívocos. Assim, o silêncio, seguido do afastamento, pode ser a negação da verdadeira tarefa que nos foi delegada.
E ele pode ecoar de modo tão intenso que é capaz de abafar os autênticos chamados da nossa essência original.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Olhar no Infinito (Poesia)


Lindos e recorrentes olhos negros,
Emoldurados sob um luar dourado,
A vontade de logo estar ao seu lado,
No aroma que nos domina inteiros.

Uma evocação ao ritual dos desejos,
Os sussurros de carícias e segredos,
Os elementos diversos combinados,
A fusão consagrada destes solfejos.

Os anseios aflorados na madrugada,
São o desfile dos gestos acalentados,
A vibração dos toques orquestrados,
Faz de corpos cavaleiro e cavalgada.

Ao receber toda a minha poção,
Gememos os nossos encantos,
Nos entregamos à esta emoção,
Que nos aquece como mantos.

Belos e doces olhos transparentes,
Revelados na aurora avermelhada,
A vontade de torná-la bem amada,
Resgatando sonhos então ausentes.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Descobertas Divinas (Poesia)


Acordes dispostos em imagens,
Flagrantes impressos na pauta,
Violinos flutuando nas aragens,
Poentes entoados numa flauta.

Segredos repartidos em dois,
Num ritual que nos fascina,
Não existe mais um depois,
Quando o presente aproxima.

Entre ventos e inventos,
Ao puro som de adágios,
Há retratos desvirginados,
No som de oboés mágicos.

A liberdade de bem escolher,
Como fotografias do coração,
Nos permite então perceber,
A persistência dessa emoção.

Enquanto as matizes celebram,
O colorido etéreo da harmonia,
Os reflexos supremos ampliam,
A vida que se renova a cada dia.




segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Mariana e Marina (Trova)


Tiro um simples “A” de Mariana,
E assim obtenho Marina,
Separo Mari e tenho Ana,
E o mundo ganha outra menina.

São os dois mais belos anjos,
Que enfeitam esse conto,
Não somente simples versos,
Terminados nesse ponto.

Mas se da meiga Mariana,
Formei a adorável Marina,
Aprendo logo que na vida,
O que é lindo não termina.

Paridades (Poesia)


Saudade,
Na palavra que não veio,
No rosto que não surgiu,
No temor, no receio,
Em março, em abril,
Realidade.

Nas capelas repousam as flores,
Ou na intimidade nua sob os arcos,
Na procura correta dessas cores,
Ou em pórticos libertos de marcos.

Saudade,
Da emoção que só permanece,
Aos corpos que em euforia se tocam,
Do sorriso que tudo desvanece,
Aos desejos que de dois seres brotam,
Realidade.