quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Flores do Pó


Do pó viemos e ao pó voltaremos.

Quem já não escutou isso ao menos uma vez? Seja como forma de consolo, de resignação ou de meditação nos momentos de perda?

Poderia ser interpretado: “De Deus viemos e a Deus voltaremos”.

Mas a passagem terrena entre a vinda e o retorno, ao qual chamamos vida, é muito mais do que um passeio ou uma escala.

Porque nesse processo natural de morrermos um pouco a cada dia, de nos desmancharmos constantemente sob a erosão cotidiana, mais do que agirmos como rochas duras e empedernidas deveríamos nos comportar como flores.

Que sabem curvar seu caule ao vento sem serem subservientes... Que exalam seu perfume espontaneamente sem pretender dominar um ambiente... Que exibem todas as suas cores desprovidas de vaidade no conjunto de um buquê ou em um canteiro de jardim.

Mas, principalmente, que espalham seu pólen aos quatro ventos, gerando novas flores e frutos aos quatro cantos, até se esfarelarem de volta ao pó, missão encerrada, existência exercida na plenitude.

Macieiras apenas podem produzir maçãs, o milagre da autenticidade. Gente de verdade se multiplica em outros seres ou germina lições duradouras. Quando as duas coisas se combinam, temos alguém realmente especial.

Hoje uma flor centenária, que tanto viu, aprendeu e ensinou, iniciou seu retorno ao pó, cumprindo seu encontro marcado com Deus desde o nascimento. Desmanchou-se em filhos, netos e bisnetos, herdeiros de seus ensinamentos numa progressão geométrica vital.

Seu nome pode soar engraçado ou curioso: Eurides. Porém, no fundo, ele já carregava sua missão, desempenhada com louvor.

Vamos separar as sílabas? Euri des.

Vamos formar uma frase? Eu ri desde sempre.

Ela riu desde sempre.

Fosse exterior ou interiormente. Seja demonstrando coragem nas horas difíceis, seja na chegada de algum novo descendente, seja antevendo o reencontro com o Criador.

Como duvidar da participação de Dele nos mínimos detalhes? Ela nunca duvidou.

Ria você desde sempre também. Ou simplesmente sorria...


Se bela flor partiu um dia,
Desmanchada mas ereta,
Ainda irrigou esta família,
Que em Maria tem a neta.