segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Um Gosto de Mel


A brisa soprava no deck amenizando o forte calor de Fevereiro.
Os torpedos no celular cronometravam o momento da aproximação. Havia tanta excitação no ar e um estado de graça em tudo que ocorria ao redor. Como costuma ser na adolescência, quando nada de muito ruim chegou a acontecer ou nenhum de nossos amigos ainda morreu. Não importava se havia atraso, as coisas iam ocorrer no momento oportuno.
O gosto de mel estava por todos os lados. Impregnava o sonho e o desejo, tornava o ar marinho uma deliciosa fragrância de síntese da natureza. Era o déjà vú de todas as sensações anteriores de felicidade, mas com aspecto de novidade. Uma fotografia perfeita, igual a da Lua desenhando uma trilha no mar noturno. A diferença é que o Sol realçava traços e trajetos, feições e feitios, aquecendo ainda mais os corações excitados.
Mãos que se juntam e assim permanecem, sem esforço, são como peças avulsas de um quebra-cabeça que finalmente encontraram seu par. O encaixe é perfeito. A dúvida é eliminada numa fração de segundo. Os sorrisos hesitantes, os trejeitos radiantes, a conspiração que conduz a caminhos não planejados, demolindo idéias prévias ou resoluções frágeis qual um castelo de cartas.
A história começou a ser construída naquele dia, na caminhada aleatória por becos e esquinas. Contudo seus alicerces sempre foram atemporais, desprovidos de casualidade. O encontro, entre milhões de possibilidades, jamais foi coincidência. E o desencontro, por conseqüência, se torna a negação do encantamento e da magia. Uma violação imperdoável aos horizontes mais belos que se descortinou.
Recentemente, um leitor replicou num de meus textos o seguinte comentário: E quando não se tem conversas ou fotos ou músicas para recordar? Quando ficaram apenas as dúvidas, as perguntas sem respostas, o vazio sem explicação? O dito pelo não dito, e a dor que não quer ir embora?
O que posso dizer-lhe é que nunca imagine isso como uma cilada inexorável, um fatalismo cósmico. Isso se deve à teimosia ou medo, ao ego ou prepotência. Aí teremos uma forma dolorosa de trabalhar interiormente a incompatibilidade e o equívoco. Porque se, ao contrário, existirem conversas, músicas ou fotos para recordar, experimentaremos a avassaladora confirmação de que não deviam ter se tornado lembranças de qualquer tipo. E que a insistência, a perseverança numa relação assim, constitui uma prova de amor ao que a vida oferece de melhor, ao invés da pueril conveniência de partir para outra, como alguns sugerem, outros se esquivam e tantos o fazem.
E nesse caso, o gosto inebriante do mel será substituído pela amargura agressiva do fel.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sem dúvida, prefiro mel a fel...

Adorei o texto, amore!

Madalena Gatto disse...

Destino, fatalidade,seriam então meras desculpas para a incompetência,o fracasso? É verdade, precisam ser dois a querer, e por mais que façamos a nossa parte, não podemos fazer a do outro e aí, fica só o gosto de fel mesmo...

Tinha disse...

Havia antes um texto vindo do coração sobre isso...deletei...rsrs
Ao acaso do destino busco uma luz que com certeza vai suprimir o "A" do meu desatino de agora, não mais o terei como injusto, ele será meu destino somente. De onde virá a luz?? De palavras como as suas, que tocam a alma, fazendo com que um grande DESATINO tenha a transformação mágica em DESTINO somente. Tão mais leve!! Tão mais justo ....
Beijos no coração