segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Desatinos do Destino

Gosto de brincar com as palavras.
De misturar as suas letras, como se todas fossem um anagrama, procurando formar novas. Ou de suprimir ou acrescentar uma qualquer, mudando-lhes inteiramente o sentido.
Há pouco tempo me sugeriram que escrevesse alguma coisa sobre o tema DESTINO. Antes de pensar no significado, reparei que um “A” estrategicamente colocado transforma essa palavra em DESATINO.
Quantos desatinos já foram justificados como coisa do destino? Sorte ou azar, premeditação ou casualidade, o destino é como um camaleão que assume várias formas, de acordo com nossa conveniência. Tive um colega de faculdade que era a própria irresponsabilidade em pessoa, embora nunca se considerasse como tal. Ao explicar as bobagens que cometia, após explorar ao máximo o ditado “errar é humano”, voltou-se ao destino como explicação de seus desatinos. Isso mais do que um consolo mostrou-se um cartão de crédito ou cheque em branco para continuar fazendo das suas.
Fico pensando que, muitas vezes, o destino se esconde quando mais precisamos dele. Ao mesmo tempo, surge a percepção de que talvez essa idéia não passe de uma ilusão de ótica. Seu mimetismo se exarceba ou o olhar que lançamos ao redor é míope? Pode estar bem na nossa frente, dando um close em nosso rosto, e nada de o percebermos. Afinal, necessitamos mesmo dele para detectarmos o mal que determinado sentimento nos causa? Ou quanto uma pessoa devia merecer toda a indiferença do mundo? O saldo bancário no vermelho, a pilha de contas a pagar, as decisões cruciais adiadas, as informações sonegadas, as mentiras de ocasião, uma paixão na hora errada... Desatino ou destino? Quando acrescentamos ou retiramos o “A”?
O destino mágico que fez com que Ana conhecesse Bruno, que conhecia Carla, que conheceu Douglas, que conhecia Estela, que conheceu Fernando, cujo desatino temerário não lhe permitiu conhecer um dia alguém...
Um ano velho se encerra. Seria um ótimo momento para sepultar o DESTINO e o DESATINO, deixando a letra “A” encarregada de iniciar o amor, a amizade e o afeto. E nós cuidando enfim do livre arbítrio, sem tolas expectativas ou frágeis justificativas.

FELIZ 2008 PARA TODOS.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cristo no Monte das Oliveiras


Foi no Monte das Oliveiras, ou Getsenami, que Cristo iniciou sua suprema agonia. Após a última ceia, acompanhado de seus discípulos, para lá foi orar, como de hábito. Era chegada a hora de atravessar uma longa noite de sofrimento e dúvida, que culminaria com o beijo da traição, sua imediata prisão, e a preparação para enfrentar os três dias de flagelação vindouros.
Não existe provavelmente página de fé mais bela. A aproximação do sacrifício, da morte na cruz, confere uma tragicidade aos olhos humanos além do componente dramático. O Filho do Homem, o ente divino, aquele que tomou da carne e bebeu do sangue para estar entre nós, irá se comportar como um ser humano. O que apenas realçará a grandeza de sua missão, os ecos de sua mensagem.
Nunca achei necessária a ênfase na divinização de Cristo. Existem milhares de teorias sobre o assunto, alguns dizendo que essa visão foi decidida em concílios, que Jesus não seria “o” Filho de Deus, mas “um” Filho de Deus, como eu e você. A sua mensagem é imortal em si mesma, ultrapassa os tênues limites da religião. O humanismo que carregamos dentro de nós sabe que “não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam”. Nessa lição elementar, embora esquecida freqüentemente, temos o resumo de 10, 20 ou 30 mandamentos, de quaisquer evangelhos ou livros sagrados. O cristianismo puro, aquele que não necessita camuflar-se em dogmas, rituais ou paramentos, em imagens ou basílicas, é simples, sintético.
Ao constatar na vigília do Monte das Oliveiras que “a vontade humana pode ser forte mas a carne é fraca”, Cristo percebia a fragilidade da mortalidade, os receios que fazem dos indivíduos objetos do medo, colocando-os num duelo cotidiano entre a emoção e razão, atos generosos e apaixonados. Sua trajetória divina de fato ou de direito é um dos maiores exemplos de humildade já legados. Continuou se surpreendendo e perdoando suas amadas criaturas terrenas, demonstrando que a verdadeira onisciência residia na concepção do amor incondicional.
A consciência que seria vendido por 30 moedas de prata ou renegado três vezes antes do amanhecer, se opunha às constatações práticas da fraqueza ante o sono daqueles que juraram que o guardariam até a aurora. Jesus Cristo, no zênite de suas aflições, demonstrava que também aprendia com seres imperfeitos, tornando próximos como nunca Criador e criatura. Essa demonstração de devoção suprema nos faz vislumbrar o paraíso na terra.
Quando no momento da redenção, na aproximação da morte crucificado, invoca o Pai em dois momentos opostos, perguntando primeiro “por que foi abandonado” e depois pedindo indulto “aos que não sabem o que fazem”, Cristo reafirma o pacto, a aliança eterna entre Deus e os seres humanos, pois ambos se tornaram unos. Toda uma tradição ganha vida e se eterniza na chama que brilha no interior de cada homem ou mulher. Enquanto existe vida, ela deve ser vivida na sua plenitude.
Assim, nas feridas espirituais do Getsenami ou nas chagas carnais do Gólgota, Cristo sempre renasce a cada Natal, confirmando que na amplitude de seu coração existem mesmo muitas moradas. Seja através do Pai, do Filho ou do Espírito Santo.

FELIZ NATAL PARA TODOS.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Read Marx, Read Engels And Fuck Themselves

Uma cópia de O Capital na mesa de cabeceira. Aberta no capítulo da mais-valia.

No Player tocando Plush, do Stone Temple Pilots. Bem alto.

A TV reproduzindo o DVD de um filme qualquer de Bergman. Sem volume.

Acenda um incenso, purifique o ambiente. Há deuses no recinto. O aroma de mirra é incrível, não?

Read... Listen... Watch... Learn... And smell, of course!

Formamos nosso moderno Oráculo de Delfos. Aquele que nunca respondia nada com nada, o ponto alto da ambigüidade.

Tem gente que é assim também, não diz nada com nada. Alguns podem estar achando que esse texto é um exemplo disso...

Se o vizinho reclamar do volume não saberei mesmo. Ainda mais vai sentir o cheio da mirra e achar que é outra coisa. O filme está sem legendas. Tento fazer leitura labial em sueco.

O rock continua mandando ver e na função Repeat.

Me aproximo de Marx em silêncio. Não é difícil, sou quem menos faz barulho. Ah, aumentei o volume da televisão. Agora o som do filme e da música estão misturados. Os dois abraçados com o odor do incenso.

O vizinho está reclamando... Serei eu o maior problema do seu mundo? Tomara que sim, pois gosto dele, nada contra, embora nem saiba seu nome.

A sessão não termina tão cedo. Vai tudo se repetir à exaustão. O segundo incenso já está ardendo, ganhei uma caixa inteira.

“Cadê o pó?”, berra alguém ao longe... Tem gente que cai mesmo em qualquer encenação. Mas esse não mora no prédio. A mais-valia está exportando a revolução bolchevique!

“Cara, pára com esse barulho! Pula fora pela janela!”

Você primeiro, irmão. Salta e me serve de colchão, otário. Se foi o meu vizinho que gritou essa asneira não gosto mais dele. Não admito que interfiram no meu barulho. Gente desalmada.

Terceiro incenso! Música pela décima-quinta vez! O filme do Bergman é longo, não chegou a repetir ainda.

Ah, tá ventando! As páginas de O Capital estão virando... Ou será que, ao invés de deuses, temos fantasmas no recinto? Fechar a janela não adianta. Fantasmas atravessam tudo. Depois não quero diminuir o alarido. Nem deixar de fora as bobas reclamações da vizinhança.

Vou fechar O Capital, não tá colaborando com o esquema. Sabia que tinha algo errado no conjunto. Mas ainda defendo a liberdade de expressão lá fora.

So, read Marx, read Engels and fuck themselves!






quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Carta do Leitor

Eu não estou desistindo, entende?

Isso jamais acontecerá. Nunca foi do meu feitio abandonar a perseverança. Mas quem vai avisar quando chegar a hora? Talvez possa me ajudar, dar uma sugestão. Sempre achei que tinha respostas sobre tudo. Mas nesse caso não sei mesmo de nada.

Fico achando que simplesmente não saberei. Que tudo irá como veio. Sem qualquer explicação. Sem ponto de partida ou linha de chegada. As trombetas vão ficar mudas, quietinhas.

Me ajuda, diz qualquer coisa, é tudo tão frágil... Vou reler conversas, olhar as fotos, escutar as músicas? Lembrar que vencia quase todos os jogos, menos aquele para descobrir a verdade? Atravessar as noites sozinho imaginando se já aconteceu? O pior nem mora nisso.

Não quero tomar seu tempo. Dizem que é coisa preciosa. Uns têm tanto, outros tão pouco. Parece final de festa. O tilintar dos copos sendo guardados, a louça sendo empilhada. Murmúrios em lugar de algazarra, sorrisos substituindo os risos.

Ao longe, uma gargalhada. Ainda há felicidade por aí. Talvez o dono dela tenha as respostas. Você parece não saber de nada. Te escrever foi inútil. Acho que não aprendemos a lição, deixamos de fazer o que podíamos.

Quem gargalha tão longe ouvirá nosso choro? Sabe me dizer ao menos isso? Estou exigindo demais de você. Vão tocar o réquiem e estaremos surdos. No fim de tudo acharemos que não passou de um delírio. As conversas em arquivos, as fotos recolhidas, as canções repetidas.

E você aí, assim como eu, enganado pelo tempo, driblado pela ilusão, sem idéia do que ocorreu...

Um abraço e até o futuro.