terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Cárcere Sem Grades


As crianças, intuitivamente, detectam o xis de quase toda questão.
Vamos acompanhar uma delas, dentre tantas. Encantada com o mundo ao redor, cada dia uma nova descoberta ou, ainda melhor, um novo enigma. Quando vê um temporal, gruda o rosto na vidraça da janela, especulando se o aguaceiro que desaba não se constitui de longos cordões de prata ligados ao céu. Puxando um deles, talvez faça descer um belo anjo ou um bebê rosado, quem sabe.
Na frente do espelho encontra-se com a própria imagem. Toca nela apenas para reparar que ela faz o mesmo com ele. Não há muito calor humano, percebe, e o motivo não reside apenas no vidro ser gelado. Interagem mas o fato daquela réplica agir como macaco de imitação logo perde todo encanto. Porém um maior perdura. Afinal haverá um irmão gêmeo do outro lado, esperando ser libertado?
Enfim, a televisão. Ainda desligada e não sabe como acioná-la. Ou deixaram o controle remoto muito no alto do móvel. Acordou cedo, os adultos ainda dormem. Na frente da tela escura recorda da dedução mágica: existem vários bonequinhos ali dentro, anõezinhos adoráveis. Hoje, enfim, talvez quebre esta vidraça, destrua este espelho, e os liberte para si, sem imaginar que também libertaria a si próprio.
Olha resoluto a vidraça encharcada, o espelho seco e a tela escura, prestes a definir tudo. Entretanto, do nada, sua mãe passa por ele, diz que o ama, beija seu rosto, afaga seu cabelo e, num último gesto antes de se encaminhar à cozinha, liga o aparelho sedutor. Tudo se ilumina e nossa criança imediatamente se aprisiona, esquecendo os anões encarcerados na sua frente, o gêmeo congelado atrás de si, os anjos aguardando serem puxados lá fora.
Qual será o próximo programa?

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