quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Crepúsculo dos Deuses


Remexer velhas notícias muitas vezes causa efeito retardado. O que passou em branco na época apenas talvez não tenha encontrado o momento certo para fustigar nossa percepção ou então acionar os mecanismos da reflexão. O texto a seguir foi publicado no UOL, no final de agosto de 2008:


Fatia de bolo de casamento de Diana e Charles é leiloada:

Uma grande fatia de um bolo preparado para celebrar o casamento de Lady Diana Spencer com o Príncipe Charles foi vendida por 1.000 libras (cerca de R$ 2.980), em um leilão no Reino Unido.

A porção tem a forma de um quadrado com 23 centímetros e havia sido dada a Moyra Smith, uma faxineira da residência real de Clarence House, em Londres, por um chef da família real, em 1981.

A fatia foi comprada por um colecionador privado do Reino Unido que deseja permanecer anônimo.


Fatias de bolo, fatias da vida... Mesmo transcorridos 28 anos.
Acho a história de Diana Spencer de uma fatalidade absoluta. Faço questão de citar-lhe sem o Lady ou Princesa. E de devolver-lhe o sereno nome de solteira. Charles é o maior exemplo de príncipe desencantado que conheço, o único sapo que beijado se transformou em coisa pior e mais feia.
Deve haver algo de Jocasta ou Electra nisso tudo. Ora parecia que ela era sua mãe, ora ele posava de seu pai. Encará-los como um casal sempre esteve fora de cogitação. Mas não temos em nossos escribas atuais Sófocles ou Eurípedes. Resta ler sobre o imbroglio em revistas de diversas nacionalidades, nas “Caras” de todos os cantos. O que na Antiguidade Clássica era tragédia, na época contemporânea vira escândalo. Devoramos as dores alheias assim como consumimos doces em recepções. Ainda existe quem pense que nada foi perdido no caminho.
Lembro de ambos acenando na sacada do Palácio de Buckingham. A multidão em delírio acenando de longe (“Não me convidaram/Pra esta festa pobre”) e testemunhando a materialização do moderno conto de fadas. Contudo não nos restou nem Branca de Neve, nem Cinderela. Não temos mais também os Irmãos Grimm ou Charles Perrault. O que restava então para Diana? Naquele dia ela ainda dispunha de suas expectativas e de seus devaneios.
Aos poucos, cena após cena, ato sucedendo ato, ela tornou-se o personagem central desta tragédia anunciada. Vomitou tudo, menos a maçã envenenada que lhe ofereceram. Atirou longe suas esperanças, sem conseguir fazê-lo com o sapatinho de cristal que já lhe machucava os pés. A morte de Diana, ou seu assassinato como alegam alguns, não foi num túnel parisiense. Investigando aí nada se encontrará. Mas que tal recuar no tempo e seguir seus passos após os acenos aos londrinos amontoados, quando o balcão esvaziou e as portas do Palácio foram cerradas? Que preço imputamos a alguns para acalentar nossos sonhos.
Relendo a nota inusitada, é impossível evitar a sensação que o ciclo se fechou. Que tudo isso, no seu absurdo, apenas aconteceu para que uma fatia do bolo da noiva, dada a uma faxineira palaciana, fosse leiloada anos depois, dentro da nossa escala atual de valores. Ela varria a sujeira da realeza, sabia com quem lidava, nunca colocaria na boca uma fruta podre camuflada em guloseima. Exigir o que da teia do destino? Que em pleno século 21 Édipo assassinasse seu pai para dormir com a mãe? Ou que Electra matasse a mãe e o amante para vingar seu pai?
Jamais. Tempos Modernos. Restou apenas uma fatia ressequida da festa e um bater de martelo de leiloeiro. Uma princesa morta sem pavana e um príncipe vivo com cara de anfíbio.

Como é difícil não vomitar...

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