segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Atalhos e Encruzilhadas

Dizem que o maldade surgiu na Terra quando foi aberta a Caixa de Pandora, libertando toda a gama de violência, ambição, rancor e inveja latentes na humanidade.
Mais uma lição da mitologia grega, a nos ensinar com poesia os fatos da vida e da morte, do amor e do ódio, do céu e do inferno. Ilustrações assim não faltam nas mais diversas culturas e tradições. Igual Adão e Eva, ao morderem a maçã da árvore proibida, perdendo o direito ao Paraíso terreno.
Explicações sempre sobraram ao ser humano, sob a forma de fábulas ou dogmas. A imagem da Caixa de Pandora, porém, me fascinou desde quando li sobre ela a primeira vez. Fiquei imaginando um espírito maligno esgueirando-se lentamente, similar uma insinuante fumaça negra, densa e pegajosa se espalhando aos quatro cantos.
Na mesma época a Física me ensinou que não existia frio. O que ocorria era falta de calor. Como ciência e espiritualidade nunca se chocaram na minha visão, muito menos arte e filosofia, imaginei que, na verdade, o Mal provavelmente também não existia: havia era a ausência do Bem. Quase uma certeza científica, sem significar frieza ou cartesianismo.
Assim, tudo seria regido pela vontade de fazer o Bem, proporcionar coisas boas a si próprio e ao semelhante. Uma maneira de recriar o paraíso perdido, sem rogar por milagres ou culpar o destino inexorável. A libertação definitiva do fatalismo grego ou do conformismo católico. Porém, em sequência, li a obra de Friedrich Nietzche, Além do Bem e do Mal. Nela, eram destrinchadas a tentação do poder e a moralidade, aforismos que regulariam a sexualidade e o senso estético, maniqueísmos que, em última instância, elaboraram os conceitos de certo e de errado, do vício e da virtude, "assim na terra como no céu".
Então, a filosofia agora se sobrepunha à ciência exata, que substituíra o dogma, que sucedera ao mito. Mas, como disse, a intuição sempre me indicou múltiplas saídas, ou melhor, soluções conjuntas. Nunca percebi a necessidade de uma explicação anular outra, de uma nova visão obliterar a anterior. Essa consciência não seria o mecanismo que nos diferencia de seres irracionais, o princípio divino que carregamos?
Voltando a falar no divino, para explicar um fato científico, corre-se o risco de recorrer ao mítico e ao dogmático. Se fosse um indivíduo de temperamento rebelde a fazê-lo, elegeria o primeiro. Se optou pelo conformismo, aceitará sem contestação ao segundo. A filosofia de vida se molda então às próprias escolhas, sejam conscientes ou absorvidas. Mas, então, a vontade de praticar boas ações deixará de ser natural, abrindo mais uma vez, nas omissões nossas de cada dia, a Caixa de Pandora, os males de todos nós.
São nas separações do conhecimento que se arquiteta a perdição pessoal ou coletiva. Num sentido amplo, pelas exclusões sociais e políticas, pela elevação da idealização que aceita apenas uma coisa ou outra, nunca busca o meio termo. Sob um ângulo íntimo, no universo interior, por crermos na impossibilidade de estimular as mais diferentes buscas, de caráter simultâneo, isolando-nos das várias soluções e das diversas saídas.
Na confusão que nos faz abordá-las como atalhos que resultam em encruzilhadas.
Nada impede que uma busca espiritual conviva com o prazer carnal. Ou que a ânsia de explorar a solidão interna, o auto conhecimento, exista na presença de um parceiro. O êxtase religioso não contradiz o orgasmo, assim como a devoção a algo maior não proibe que o coração seja entregue amorosamente a alguém. Beijos na boca também são tão superiores quanto orações que brotam na alma.
Além do bem e do mal, da ciência e da filosofia, do mito e do dogma, existe a felicidade para ser alcançada pela combinação destes caminhos, achando-se aí sim o autêntico atalho às encruzilhadas da angústia e do medo.

Um comentário:

Julie Marie disse...

Não sabemos ou não queremos entender e aceitar as propostas da eternidade, pois experimentalmente vemos a vida passar tão rápida que precisamos dos atalhos e das encruzilhadas, e não do tempo de Deus.
O único e eterno Caminho é Jesus Cristo, e os atalhos e encruzilhadas da vida são terrenas e passageiras.As respostas não vêm do "saber humano", as respostas vêm da Eternidade, elas vêm somente de Deus, e nada mais.Guardemos nosso coração para a vinda das respostas divinas.
Lindo texto, bela reflexão. Parabéns.