terça-feira, 30 de outubro de 2007

Equívocos Terrenos

Entre tantos equívocos possíveis, talvez o maior deles seja conferir aos seres uma missão na vida. A linha tênue que separa o messianismo do fanatismo se torna ainda pior quando pretensas fórmulas surgem para regular tais projetos. A condição humana torna-se previsível no pior sentido da palavra, pois desloca focos de acontecimentos e decisões para o inexpugnável terreno de forças invisíveis ou não palpáveis, de acordo com as crenças individuais.
Em arte, então, tudo fica pior. Considerar que um autor ou poeta têm obrigações com esta ou aquela forma de pensar, com uma linha de pensamento essencialmente otimista, é uma negação do próprio processo criativo. Não existem estes limites, nem à direita ou esquerda, nem no topo ou no fundo do poço. Um texto não é um libelo de conduta ou uma tábua de salvação. Se quem o criar tiver sorte será, bom ou mau, uma maneira de reconhecer dores, de perceber que não somos os únicos que sofremos por algo.
Assim, missão de artista, se existe, é produzir com consciência, livremente. Ele não se caracteriza por ser emissário de esperança ou propagador de inseguranças. Se o seu íntimo passa por amarguras ou vive dominado por pessimismo, talvez seja bom perceber os motivos disso, antes de apontar um errôneo "desvio de conduta divina". Delegar erros aos outros fica bem mais fácil que assumir nossas responsabilidades com os semelhantes.
Se existe uma missão na vida talvez seja não fazer dos demais joguetes de nossos caprichos mais imediatistas. Nem todos recorrem às orações, comodamente, para aliviar ao final do dia os próprios vacilos, contradições e incongruências.

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