quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Desatando os Nós

Ao iniciar seu avanço fulminante pelos inexplorados rincões da Ásia, Alexandre Magno, o jovem monarca da Macedônia que arrasara inúmeros reinos e anexara vastos territórios ao seu Império, conheceu a lenda do nó górdio. Tratava-se de um colossal, robusto e intrincado novelo, composto de uma infinitude de nós e laços, complexamente entremeados, sem princípio ou fim. Dizia a secular tradição que quem conseguisse desatá-lo inteiramente dominaria todo o continente. Inúmeros haviam tentado desembaraçar aquele labirinto de cordames e tinham fracassado. Sem perceber uma solução usual para o desafio, o intrépido conquistador, que de Colin Farrell não tinha nada, sacou a espada e despedaçou-o num único golpe. Depois, partiu rumo ao cumprimento da profecia, acumulando novas glórias e riquezas.
Algumas relações são capazes de produzirem nós górdios em nossas vidas. Não percebemos bem como elas começaram, muito menos onde vão terminar. Ficamos apenas tateando, procurando uma ponta, um fio solto, tentando desembaraçar o labirinto emocional que geraram. Nos falta talvez uma arma, o instrumento que nos permita agir como Alexandre e destroçar tudo aquilo subitamente, evitando vagar pelo limbo sem eira nem beira.
No entanto, mais importante do que refletir sobre as conseqüências é trabalhar as causas. Os fatores que tornaram um envolvimento sentimental uma corrida contra o tempo, um passeio sem volta. As circunstâncias que transformam as cordas do coração numa confusa rede de sensações, nos levando a dedilhar uma harpa ignorando os principais acordes da partitura. Isso vale tanto no romance quanto na amizade, no âmbito familiar ou entre colegas de trabalho.
Ao perambularmos como Édipo, cegos e sem destino, percebemos que não existe qualquer inocência na condução dos diversos relacionamentos cotidianos. Os meios e os fins são peças díspares de um quebra-cabeça. Carregamos o volumoso nó górdio na esperança que desmanche naturalmente seus impasses e suas pendências. Mas quem nos deu esse presente de grego, a exemplo do Cavalo de Tróia, encarou tudo de forma diferente, deixou que camada se acumulasse sobre camada, nó se confundisse com nó, partindo como se nada houvesse ocorrido ou tudo fosse fruto dos caminhos habituais do exercício de viver e aprender.
Talvez você não soubesse que a Ásia antiga estava assim tão perto. Que lendas orientais fizessem parte do seu dia-a-dia. Que os fardos que se empilham no seu peito lhe foram dados à revelia. Os mais céticos irão sempre dizer que “nada nos é imposto, que no fundo permitimos manipularem nosso amor próprio e também nossas vãs esperanças”. Eles nunca tentaram desatar coisa alguma, pois jamais abriram as portas da confiança plena, da entrega completa ou incondicional. E devem ter sorrrido interiormente quando viram o intrépido Alexandre, o invencível guerreiro, se aproximar do nó górdio, qual portador de outro insucesso anunciado, nova vítima de uma decepção recorrente.
Mas como Alexandre não era mesmo Colin Farrell, e a vida também é feita de grandes surpresas, devem estar com fiapos de barbante lhes arranhando os olhos até hoje. Porque os que nasceram somente para criar impasses, cedo ou tarde deixarão de enxergar o horizonte, desvirtuando-se nas vias da indiferença ou na pretensão de saber o que convém melhor aos semelhantes. Tais histórias fabricadas não encontram contrapartida alguma na realidade.
Afinal, nós podemos nada ter em comum com Alexandre, o Grande, porém muito menos somos Colin Farrell.

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