domingo, 10 de fevereiro de 2008

Por Pochoca (E Por Você)

Somos levados a acreditar que dentro de cada ser humano brilha uma centelha divina. Cada vez mais tenho a impressão que tal certeza não se encontra em nós. Porém ela está na natureza em geral e nos animais em particular.
O mundo parece ser pródigo em gestos absurdos e incompreensíveis. A herança da inocência a cada dia é dilapidada, solapada no seu brilho e na sua essência. Parece que o preço alto da ambição e da desumanidade sempre recai mais em criaturas inocentes, frágeis ou indefesas. Crianças, idosos e animais são a bucha ideal do canhão. E cada agressão dessas, isoladamente, pode ser imperceptível, mas traz arranhões profundos ao equilíbrio e harmonia, aos poucos escondendo a imagem suprema da beleza e da serenidade.
Quantas coisas horríveis desconhecemos. Quantos fatos tenebrosos desvanecem sob o desvio confortável do olhar. Quanta prepotência desfila cheia de empáfia no cotidiano, embotando os sentidos. Contudo a ignorância, a fuga e a cegueira não impedem que haja o confronto com o caos, a barbárie e a violência. O girar equivocado da roleta cruel e mortífera nos induz a duvidar do amor, única saída que dispomos para revertê-la. E cujos resultados nos mergulham em sofrimento e dor.
Nunca vi de perto uma cadela bassê chamada Pochoca, o que nada diminui o choque. Conheci-a apenas através de fotografias e da descrição afetuosa de sua dona. Não vai estar nos jornais o que aconteceu com ela, assim como o que ocorre com tantos. No entanto, na manchete pessoal de alguém que a ama, isso vai estar gravado, e por algum tempo permanecer, em letras garrafais, mesmo que borradas pelas lágrimas. Não por mera casualidade do destino. Mas através do desejo consciente de alguns de machucar, de ferir, de obter os fins sem observar os meios.
Acredito que mesmo os animais, enquanto criaturas de Deus, tenham um lugar especial após a morte, onde reencontrem ou esperem seus entes queridos. Claro que isso não serve de consolo imediato aos que os criaram com tamanho cuidado, recebendo e dando afeto. Afinal, o que dizer também a uma mãe que viu seu filho sacrificado, um marido que enviuvou pela esposa alvejada ou para alguém que perdeu envenenada sua cachorrinha de estimação?
E se você acha tais comparações desproporcionais, um exagero, talvez seja hora de parar e refletir. A roleta deve estar girando na contramão de sua compaixão e ainda não percebeu, ao camuflar viciosamente sua fagulha vital nestes caminhos tortos. Entretanto, sempre resta a oportunidade de freá-la e alterar o rumo.
Assim, em última instância, a agressão injustificável que levou embora Pochoca enfim não será de toda inútil, resgatando um mínimo de esperança e bondade.

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