quarta-feira, 26 de março de 2008

O Beijo de Maira

Dizem que os anjos encarregados de uma curta missão terrena chegam como bebês ou crianças que partem deste mundo cedo. Francamente não sei o que é verdade nessas horas. O quanto a poesia que embasa uma tristeza consegue atenuar o sofrimento dos que são atingidos. Certos desígnios sempre carregarão um aspecto duro e incompreensível, mesmo aos que acreditam e tem fé em Deus. Novos seres costumam trazer consigo a esperança. A renovação de situações na forma de um sorriso, uma covinha, uma mecha de cabelo.
Muitas vezes esses anjos não chegam a nascer, a contemplar o rosto de seus familiares. Mas isso não os impede de cumprirem uma tarefa. Que pode começar na expectativa da concepção, reafirmando o comovente milagre da vida. Ao crescerem no útero materno, sendo detectatos na ultra-sonografia, ou escutarmos as batidas surdas mas decididas de um coração se formando, sentimos o espírito abrandar. O nascimento, antes de tudo, é a reafirmação de um pacto maior. Um choro que traz serenidade, uma sucessão de extremos cuidados que transmitem alegria, além da força que extraímos para enfrentar o futuro. Seja relativo aos filhos, netos, sobrinhos, primos ou dos amigos.
Contudo nem todos os seres humanos são iguais, nem todas as almas se mostram uma matéria-prima a ser modelada facilmente. Em casos assim a missão angelical pode ser árdua e não menos amorosa. Estes são os alvos principais desses seres efêmeros, de rápida passagem entre nós. Se não encontram a chance de crescerem, despertam a luz onde havia escuridão, apesar dos males físicos e emocionais iniciais. O seu bater de asas, rápido como o do beija-flor, deixa o rastro de uma brisa tênue qual um afago. Um bálsamo às lágrimas e a dor do primeiro momento, o carinho que desmancha o nó formado no peito. O terreno fértil que germina a semente luminosa aos que precisam.
Maira foi um desses anjos cativantes. As letras de seu nome traziam afeto e poesia. Algumas delas combinadas formam “irmã” ou “rima”. Outra disposição e formamos “Maria”. O som doce dessas palavras induz ao lirismo, a crermos na lenda que explica sua perda prematura. O pacto não foi rompido, pelo contrário. Ele repercute agora, mesmo que o desencanto nos impeça de ouvi-lo. Mas abra o espírito, pois os versos que o confirmam pairam no ar, na sua aragem perfumada.

Se Maira pousou um dia,
Na leveza de tantas rimas,
Assim beijou esta família,
Que esperou bela menina.

Se Maira levantou um dia,
E comoveu tão linda irmã,
Ainda brindou esta família,
Que numa Maria tem a tia.

Que a reprodução de anjo colocada hoje em sua lápide, pela mais delicada das mãos, seja o terno reconhecimento do que plantou e se colherá. Porque se nem tudo na vida são sonhos, muito menos serão somente pesadelos.

P.S. Maira partiu aos oito meses de gestação, na noite de 25 de março de 2008, na cidade de Cabo Frio, RJ, sendo enterrada no dia seguinte. Aos que lhe desejaram um sincero “descanse em paz”, ela responde, de onde estiver, com seus beijos de “vivam em paz”. Se ainda não os escuta, não esmoreça, pois ela jamais desistirá de você.

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