segunda-feira, 31 de março de 2008

Réquiem aos Sonhos


A Lagoa Rodrigo de Freitas, em Ipanema, quando a noite avança nas suas horas e os que não arriscam aconselham evitar seus caminhos.

Onde o perigo da segurança é tão grande quanto a perdição das esperanças e a morte das ilusões. Quando as luzes da cidade e os vestígios da Lua transformam sua superfície numa gigantesca face mágica, enquanto a brisa cava olhos e nariz estilizados, a correnteza suave delineia uma boca e o riscar rápido dos cardumes constitui o emaranhado dos cabelos. Se tudo foi uma pueril ficção, que ao menos ganhe uma injeção de poesia.

Aquela mesma serenidade da paisagem imagino em seus olhos, no seu rosto, mesmo à distância, independente das circunstâncias ou dos momentos de vida. Uma transparência construída em prazer, toda guardada no seu íntimo, amparada na vontade de fazer o que gosta, enfeitada pelo seu belo e largo sorriso.

O vento brando na Lagoa sussurrava e trazia tais impressões. Fazia folhas voarem, levantava um pouco de poeira, tornava as coisas um pouco turvas mas em seguida tudo voltava ao normal. Faz parte da vida que os ventos, certas vezes, semeiem cíclicas tempestades ou turbulências. Porém também podem apenas balançar de leve os galhos e as plantas, movimentar suavemente todo um espelho d'água. O que eles nunca fazem, como no seu caso, é poder desvirtuar o todo, distorcer o âmago.

Seu olhar sempre voltará a ser límpido, sua face sempre retornará à alegria. Seus momentos de confusão, duvidas ou angústias não passam de uma aragem que assim como vem, desaparece. Tornando-a mais forte e preparada, pois curvar-se ao vento não é render-se, mas simplesmente se posicionar, esperando que ele passe até o espírito retornar à normalidade.

Observando a ação final dos ventos na Lagoa fiz meus inventos. Juntei na minha mente aquelas folhas que flutuavam nas margens, construí um belo tapete mágico e imaginei ele indo ao seu encontro, levando-a para onde desejasse. Pode subir nele, querida, é seguro. Assim como ele vai, ele também volta, e a fará muito mais segura e imune às dúvidas. De qualquer forma, estarei sempre aguardando o término das suas tormentas e o pouso sereno do seu tapete.

Abençoado pela imagem superior do Cristo Redentor, o dia está amanhecendo. Sua fisionomia se apaga na Lagoa, misturada às águas de todos os horizontes e dos lugares que cabem dentro do coração. O dia enfim clareou contudo não existe maior segurança, mesmo nos trajetos iluminados e sinalizados. A única sensação que não se desvaneceu foi o buraco no peito, a ferida que se espalha em cada ritmo da respiração.

As coisas são o que não precisavam ser.

Nesse momento, carentes de porquês ou utilidade, dolorosamente, os sonhos eternamente compartilhados enfim dissolveram na execução desnecessária de seu réquiem, na indução de um destino vazio e sedução de um rumo ignorado. O passaporte definitivo de um adeus incompreensível no que destruiu e cruel no que deixou devastado, apoiado na cômoda justificativa da passagem do tempo, até o vencimento de sua validade.

Contando que a nota derradeira desta partitura jamais seja tocada.

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